Por Kildare Araújo Meira
O presente texto visa refletir sobre a necessidade de reestabelecer uma justiça histórica com as mantenedoras privadas de instituições de ensino superior que, apenas três anos depois da vigência da Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), passaram a ser permitidas a “assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial”, diante do advento da Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que modificou a Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, acrescentando a esta o dispositivo do art. 7-A, com a seguinte redação:
“Art. 7o-A. As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, previstas no inciso II do art. 19 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro.
Antes desse permissivo legal os grupos privados que quisessem assumir a tarefa de gerir ensino superior eram obrigados – pela Legislação e pelos gestores públicos da educação da época – a constituírem entidades sem fins lucrativos, na forma de associações civis ou de fundações, pois, se assim não fosse, não teriam autorizado o funcionamento das faculdades, centros universitários ou universidades perante o Ministério da Educação.
Fica claro que essa ordem anterior a 23 de novembro de 1999 era repressiva à liberdade de associação e de livre iniciativa, fruto de uma concepção reinante opressora e surpreende que tenha subsistido mais de 10 anos após a Constituição Cidadã de 1988, que consagrou a livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV da CF/88) e como princípio da ordem econômica (art. 170 da CF/88), além de estabelecer dentro do rol de direitos fundamentais a liberdade de associação (art. 5º, XVII).
O processo de resgate e reparo à ordem constitucional para garantir também na esfera da educação superior a liberdade de associação e de livre iniciativa, infelizmente, ainda não ocorreu de forma plena. Ele tem sido gradual, primeiro permitindo a existência de mantenedoras de natureza comercial, com o advento da já mencionada Lei nº 9870, de 23 de novembro de 1999, o que não foi suficiente para reparar a opressão que se estabeleceu aos grupos privados, obrigados antes de 1999 a atuarem na educação superior na forma de entidades sem fins lucrativos, e apenas em 2005, com o artigo 13 da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro, foi dado o primeiro passo na direção de se reestabelecer a liberdade de tais grupos, nos seguintes termos:
Art. 13. As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, sem fins lucrativos, que adotarem as regras de seleção de estudantes bolsistas a que se refere o art. 11 desta Lei e que estejam no gozo da isenção da contribuição para a seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal, que optarem, a partir da data de publicação desta Lei, por transformar sua natureza jurídica em sociedade de fins econômicos, na forma facultada pelo art. 7º-A da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, passarão a pagar a quota patronal para a previdência social de forma gradual, durante o prazo de 5 (cinco) anos, na razão de 20% (vinte por cento) do valor devido a cada ano, cumulativamente, até atingir o valor integral das contribuições devidas.
Parágrafo único. A pessoa jurídica de direito privado transformada em sociedade de fins econômicos passará a pagar a contribuição previdenciária de que trata o caput deste artigo a partir do 1º dia do mês de realização da assembleia geral que autorizar a transformação da sua natureza jurídica, respeitada a gradação correspondente ao respectivo ano.
Percebe-se que o referido dispositivo ao mencionar o art. 7º-A da Lei nº 9.134, de 24 de novembro de 1995, acaba por excluir os grupos que foram cominados pela estreiteza do sistema à época a constituir Fundações, do rol de entidades a serem beneficiadas com o reestabelecimento de sua liberdade associativa e de iniciativa, já que o mencionado artigo faz alusão ao Código Civil da época, que como o de hoje impossibilita a operação de transformação da natureza jurídica das fundações.
Ora, do ponto de vista do princípio da isonomia, base da nossa Constituição de 1988 (art. 5º), não faz sentido a legislação ter permitido a transformação de associação civil para sociedade de fins econômicos e excluir os grupos que ficaram presos à forma de Fundação, pois o Código Civil da época e o atual não previam, nem preveem o caminho de transformação de nenhuma das duas formas de entidades sem fins lucrativos para com fins econômicos, ou seja, se a Lei nº 11.096/05 criou a hipótese para associação transformar não há razão jurídica e política para não ter contemplado também as Fundações.
E o que não foi feito lá em 2005, em flagrante afronta à isonomia e condenando grupos privados que atuam na educação superior como Fundação, a se submeter aos efeitos de um sistema opressor da época que, como já exposto, lhe limitaram a liberdade de iniciativa e associativa, na medida já mencionada, ao excluir a possibilidade de manter o ensino superior privado com pessoas jurídicas de fins econômicos e comerciais, precisa ser feito o quanto antes.
É mister reparar essa violação aos direitos constitucionais tão caros à ordem jurídica de 1988, também para os grupos que lá atrás, ante a limitação de suas liberdades de associação e iniciativa foram obrigados a constituir uma fundação, e de igual modo, ao já feito em 2005, na mencionada Lei nº 11.096/05, também agora garantir às Fundações Privadas, instituídas por escritura pública anteriores a 23 de novembro de 1999, mantenedoras de instituições de ensino superior, imunes aos impostos na forma do art. 150, VI, “c” da Constituição Federal, optar por transformar sua natureza jurídica em sociedade de fins econômicos, que é a reflexão que se propõe no presente texto.
O Congresso Nacional precisa cumprir seu papel de tornar a ordem jurídica brasileira inteiramente permeada dos princípios e garantias da Constituição Cidadã, revolvendo situações anteriores a ela e ordem que ela estabeleceu, de garantias e liberdades, visitando uma situação onde a liberdade de iniciativa e de associação tinha sido limitada por um estado autoritário que excluiu da atividade educação a possibilidade de instituições privadas com fins econômicos e ou comerciais de atuar, fazendo com isso uma afronta aos direitos da sociedade e atravancando o desenvolvimento econômico da nossa Pátria.
A aprovação de uma lei, na direção da reflexão ora proposta, seria fator de ampliação do nosso desenvolvimento econômico e é de extremo interesse público primeiro porque com essas transformações o Estado ativará a tributação de importantes grupos mantenedores de educação privada, com notórios ganhos nas suas receitas tão combalidas; segundo porque, a experiência de permitir a transformação das associações civis em 2005, foi exitosa e dinamizou a nossa economia como deixam claras as notícias que se pode perceber com uma simples pesquisa na internet.
Não resta dúvida que a medida mencionada nesse texto teria impacto positivo na arrecadação do Estado e na dinamização da nossa economia, devendo ser tramitada e aprovada o mais rápido possível.
Nesse sentido, a forma de fazer, que ora se sugere, seria considerando que no momento legislativo anterior, Lei nº 11.096/05, se usou o Código Civil vigente para barrar a possibilidade de Fundações transformarem sua natureza jurídica, entende-se que o caminho legal está justamente na alteração do Código Civil. Por isso entendemos que seria um bom caminho que se dê parágrafos ao artigo 69 do Código Civil, que trata justamente da hipótese de extinção da Fundação, para que se permita a possibilidade de transformação para entidade de natureza com fins econômicos.
Alerte-se que tal medida não fragilizaria o conceito fundacional, ou abriria a porteira para acabar com as Fundações, definitivamente não, desde que o projeto reconhecesse que essa forma de direito de constituir pessoa jurídica é extremamente relevante a todo direito ocidental, e fosse uma proposta limitada no tempo e no espaço, com alvo apenas em corrigir uma violência jurídica, já exposta, que o sistema educacional vigente até o advento da Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999 impetrava contra grupos privados, impedindo seu livre exercício de associação e de iniciativa. Por essa razão, e com esse cuidado, apenas Fundações mantenedoras de ensino superior privado, instituídas por escrituras públicas anteriores a 23 de novembro de 1999 poderiam traçar esse caminho, pois apenas essas foram obrigadas a realizar a forma de entidade sem fins lucrativos não por opção, mas porque o autoritário sistema da época assim exigia.
O tema repercutiu e foi publicado pelo site Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/367931/natureza-juridica-de-fundacoes-mantenedoras-de-ensino-superior