Drª Janaina Rodrigues Pereira, sócia da Covac Sociedade de Advogados
Aproximando-nos do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é inevitável a reflexão sobre como o tema inclusão racial avança (ou não) na nossa sociedade, como está a inserção no mercado de trabalho brasileiro, e quais os avanços no mundo jurídico do ponto de vista organizacional.
É inegável que o ano de 2020 é um marco para o movimento negro, pois presenciamos milhares de manifestações associadas ao Black Lives Matter eclodirem nos Estados Unidos dando visibilidade à discriminação social e à violência policial. Já aqui no Brasil, a sensação é de que as mortes de tantas vítimas do racismo estrutural, como João Pedro, Miguel Santana da Silva, Ágatha Vitória Sales e tantos outros brasileiros, não geraram tantos incômodos em nossos meios, com exceção dos protestos marcados por movimentos conectados à luta antirracista/direitos humanos.
É perceptível que no meio corporativo, sobretudo no nosso nicho, a inclusão racial ainda é considerada um não-tema, ou seja, não é um problema a entrar na agenda de atuação/posicionamento das organizações. Isso por acreditarem que o assunto foge ao propósito da atuação profissional da organização, ou que por ser instituição privada não há que se falar em incidência das políticas sociais ou posicionamento da marca. Porém, a luta contra o racismo depende de práticas antirracistas, de todos os setores da sociedade, inclusive do setor privado.
Como atuamos no meio jurídico, percebemos que o setor demonstra-nos um perfeito retrato de exclusão racial no país. Afinal, num país com 56% da população negra, segundo dados estatísticos da PNAD de 2019, apenas 18% dos magistrados são negros. No Ministério Público o cenário é semelhante, contando com apenas 22% de negros. Não obstante, temos apenas 01 Conselheiro da OAB Federal autodeclarado negro entre 81 conselheiros e conselheiras federais. Ainda, estudo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), de 2019, apontou, por exemplo, que os negros representam 1% dos advogados de grandes escritórios e de 10% entre os estagiários. Ainda, sob o pretexto da boa aparência/dress code advogadas e advogados negros sujeitam-se, via de regra, a uma certa padronização referenciada na estética branca em busca da aceitabilidade na profissão.
Lamentavelmente, esse retrato, como salienta Djamila Ribeiro, não costuma causar incomodo ou surpresa em pessoas brancas. Essa ausência de provocação muitas vezes decorre do silenciamento e da falta de diálogo sobre os impactos do racismo que, uma vez considerado como superado, apresenta uma falsa percepção de que o âmbito profissional é demarcado e ocupado tão somente mediante critérios de méritos pessoais.
Por outro lado, a realidade enfrentada é de marginalização da população negra que possui raízes em um país que ainda não superou os danos causados pela escravidão e o racismo que consolidou-se estruturalmente sem a dependência de uma segregação formal, mas que se materializou de modo indireto através do mito da democracia racial e o não-dito racista que, diferente de outras experiências do atlântico, deu-se através das relações cordiais, paternalistas e patrimoniais do exercício do poder. Assim, o não-dito assume esta posição técnica do dizer alguma coisa, contudo sem a aceitação da responsabilidade de tê-la dito. Desta forma, o racismo não apenas adequou-se a estrutura republicana, como também a incorporou através das relações de poder.
Podemos inferir que não é a desigualdade que gera o racismo, mas que o racismo causa a desigualdade. Desta feita, o combate possui a presença do elemento econômico, mas a ele não se limita, sendo necessário a quebra de estigmas que passaram a obter uma incorporação de signos estruturais ao longo dos anos nas relações sociais e de trabalho que obstam a igualdade desejada. Diante dessa realidade, diversas empresas tem buscado montar um quadro mais diversificado entre os seus colaboradores, como foi o caso recente do Programa de Trainee do Magazine Luiza.
Reconhecemos a existência de iniciativas para alcançar a representatividade no mercado de trabalho, mas também não podemos ignorar que estamos muito aquém de alcançá-las. No nosso contexto jurídico, a título de exemplo, apesar do sistema de cotas raciais ter sido instituído na magistratura em 2015 para dar cumprimento ao Estatuto da Desigualdade Racial, o Conselho Nacional de Justiça prospecta que somente em 2044 seria alcançada a taxa de 22% de magistrados negros no judiciário.
Por isso acreditamos que uma organização que se considera não racista já deveria atentar-se às questões de proporcionalidade, ocupação dos cargos e como a questão racial é abordada no local. Temos 10 anos de existência do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e quantas vezes dedicamos alguns minutos sobre o que é atuar para efetivação da igualdade de oportunidades e o combate à discriminação? O que eu enquanto setor privado posso fazer a respeito?
No Distrito Federal, desde 2006, existe o Estatuto da Igualdade Racial (Lei Distrital nº 3.788/2006), que estabelece que as empresas com mais de 20 empregados manterão uma cota de, no mínimo, 20% para trabalhadores afrodescendentes, quais reflexões foram feitas pelas organizações?
Em 2019 o MPDFT firmou o Pacto pela Inclusão Racial no mercado de trabalho com o foco de fortalecer a ampliar a inserção e ascensão da população negra ao mercado de trabalho, prevendo como diretrizes para implementação ações que iniciam na conscientização passam pela capacitação/qualificação e vão até à contratação.
Percebe-se que a toda sociedade lhe é atribuído um papel relevante na luta pela igualdade racial, onde todos empregadores, independentemente do segmento, são convocados a adotar postura ativa. Parafraseando Silvio Almeida, a luta contra o racismo não se dá apenas via denúncias e repúdios a atos individuais, se queremos uma real mudança na nossa sociedade é necessário a adoção de posturas e práticas antirracistas e voltadas à inclusão que não se limite a mera lembrança do mês de novembro, pois a luta da população negra se faz todos os dias.