Por Aline Bastos Lomar Miguez
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente, julgou ação na qual a autora, egressa de graduação em Educação Física, alegou falha no dever de informação de instituição de ensino superior privada por não esclarecer adequadamente as diferenças entre os cursos nas modalidades bacharelado e licenciatura. Por desconhecer o conceito e as limitações impostas ao exercício profissional de cada modalidade, apenas ao concluir a licenciatura plena, a autora tomou conhecimento que não poderia trabalhar em academias, clubes etc., uma vez que como licenciada poderá atuar, exclusivamente, como docente na educação básica¹.
Nessa ação há questão de fundo envolvendo norma do conselho profissional que por meio de resolução segregou as atividades profissionais realizadas por bacharéis e licenciados em Educação Física. Mas, apesar do tema ser mencionado no processo, o julgamento manteve-se restrito ao exame do dever de informação da instituição prestadora de serviços educacionais.
O processo tramitou originalmente no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), sendo o julgamento em primeira instância favorável à autora, terminando por obrigar à instituição de ensino a ofertar a complementação das disciplinas para o bacharelado sem qualquer custo, além de compensação por danos morais diante do descumprimento do dever de especificar corretamente as características do curso.
A instituição de ensino recorreu e obteve êxito em seu apelo. A sentença foi reformada pela 26ª Câmara Cível do TJRJ, sob fundamento que a parte autora teve a devida informação quando da emissão do edital do vestibular, que informa que o curso em questão se tratava de licenciatura, sendo razoavelmente esperado e exigível do candidato que pretende ingressar no ensino superior o mínimo de conhecimento para identificar e diferenciar uma da outra.
Após a reviravolta no tribunal local, a questão chegou à 3ª Turma do STJ que deu razão à autora por entender que constitui dever da instituição de ensino a informação clara e transparente acerca do curso em que matriculados os seus alunos, orientando-os e advertindo-os acerca das modificações ocorridas em relação ao exercício da profissão. Leia-se o trecho da decisão do STJ:
O fato de a recorrente ter concorrido no vestibular para o curso de licenciatura, como reconhecera o acórdão, não seria suficiente a fazer superada a alegação de que incorreta informação teria sido prestada à aluna no site eletrônico da instituição no sentido de que o curso em questão permitiria ao profissional o pleno exercício de suas funções, inclusive em clubes e academias.
Esse não é o primeiro caso a parar no STJ. Em muitas ações similares, tentou-se discutir a suposta violação de instituições de ensino ao dever de fornecer plena informação sobre os cursos e suas características aos pretensos ingressantes ou alunos. Geralmente, os recursos não conseguem ultrapassar algumas barreiras para acesso à Corte Superior, pois, na maioria dos casos, seria preciso reanalisar fatos e provas do processo, o que não se permite no julgamento do recurso especial, por ser o STJ uma instância excepcional com o papel constitucional de uniformizar a jurisprudência sobre a legislação federal.
Nessa ação, contudo, como reconhecido pelo ministro relator Tarso Sanseverino, ao analisar apenas as decisões do processo, bem como a interpretação dos artigos do Código de Defesa do Consumidor que tutelam a informação confiável, transparente e completa que deve ser destinada a todos os consumidores, caberia à instituição de ensino advertir e orientar de forma inequívoca sobre a estrutura e a especificidade dos cursos ofertados.
Considerando o contexto, é importante estar atento aos precedentes judiciais. Embora esse julgado não tenha força vinculante, há a tendência de que os tribunais inferiores sigam o entendimento.
Em 9.9.22 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Recomendação nº 134 sobre o tratamento dos precedentes no Direito brasileiro. Na Recomendação – tendo em vista a relevância dos precedentes judiciais para a promoção da segurança jurídica, estabilidade e garantia da isonomia nos processos, estão consignadas as seguintes orientações:
Art. 4º Recomenda-se aos magistrados que contribuam com o bom funcionamento do sistema de precedentes legalmente estabelecido, zelando pela uniformização das soluções dadas às questões controversas e observando e fazendo observar as teses fixadas pelos tribunais superiores e, na falta de precedentes e jurisprudência por parte destes, pelos respectivos tribunais regionais ou estaduais.
Art. 9º Recomenda-se que a observância dos precedentes dos tribunais superiores ocorra quando houver, subsequentemente, casos idênticos, ou análogos, que devem ser decididos à luz da mesma razão determinante.
Compartilhamos essa decisão, de modo a evitar situações parecidas no âmbito de sua instituição de ensino que poderão culminar em prejuízos financeiros, além de danos à imagem institucional.
Fundamentos Legais:
Código de Defesa do Consumidor
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(…)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
(…)
Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (…)
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Súmula 595-STJ: As instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo aluno/consumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da Educação, sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação.
Processo em referência:
REsp n. 1.738.996.
[1] A Resolução CFE nº 03/1987 possibilitava que a graduação em Educação Física contemplasse em um mesmo curso o bacharelado e a licenciatura plena, não existindo diferenciação nas modalidades. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, 20.12.96) foram estabelecidas as regras relacionadas aos profissionais da educação básica, determinando que a formação de docentes no ensino infantil, fundamental e médio seja em curso de licenciatura plena, em instituições de ensino superior, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal.
A Resolução CNE/CP nº 1/2022 fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior, curso de licenciatura plena, determinando o prazo de dois anos para a adequação de todos os cursos de licenciatura plena às DCNs. A Resolução CNE/CP nº 2/2004 modificou o prazo, com a prorrogação até a data de 15.10.05. Em suma, os cursos de Educação Física nas modalidades bacharelado e licenciatura apenas puderem ser ofertados em uma única graduação até 15.10.05, como definido pelo CNE.