Dr. Kildare Araujo Meira e Drs. Janaina Rodrigues Pereira e Roberto Augusto Brito Alves, sócio e advogados associados da Covac Sociedade de Advogados
Já estamos calejados de saber, mas nunca acostumados, que quando o assunto é CEBAS: o óbvio precisa ser dito! e, muitas vezes, comprovado, impondo às entidades beneficentes uma longa peregrinação perante os Ministérios Certificadores (MEC, MS e Cidadania) na busca por declarações a atestar ou interpretar o que já está expressado na Lei nº 12.101/2009.
Esse apego ao reconhecimento público, como se o privado estivesse sempre de má-fé, é perceptível nos inúmeros casos em que a entidade necessita de declarações para demonstrar que o CEBAS está vigente, ou ainda, quando o judiciário esvazia o CEBAS (certificado que comprova a condição de entidade filantrópica) indeferindo a não aplicação da penhora ou garantia (art. 884. §6º da CLT) ou obtenção da isenção do depósito recursal (art. 899, §10 da CLT) sob o argumento de que a entidade deve demonstrar os requisitos da imunidade perante o juízo. Ainda, não raro, são decisões filiadas ao entendimento de que o CEBAS deve ser ostentado por cada instituição associada à Organização.
Recentemente, vimos explodir exigências de operadoras de plano de saúde, como a Saúde Caixa, para que as entidades com CEBAS comprovem que a filial está contemplada pela certificação, e assim reconheçam a imunidade aos tributos federais e efetuem o pagamento dos serviços efetivamente prestados.
Ocorre que exigências nesse sentido são contrárias ao ordenamento jurídico, pois como sabemos, o CEBAS é requerido pela entidade mantenedora, ou seja, pela unidade matriz. Isso porque, somente, essa é dotada de personalidade jurídica, portanto, apta à prática de atos civis. A ausência de personalidade jurídica das filiais impede-as, juridicamente, de pleitear qualificações em nome próprio, por isso, a centralidade na mantenedora.
O direito decorrente do CEBAS – imunidade tributária às contribuições sociais – engloba não só a matriz, como todas as filiais, até porque é da atuação dessas que se possibilita a obtenção do CEBAS.
Esse tema, para nós operadores do direito, é de extrema clareza, não sendo necessário declaração para afirmar o lógico, o óbvio, ou seja, que a filial x ou y está abarcada pelo CEBAS concedido à matriz, logo, também é imune.
Da leitura da Lei n.º 12.101/2009 é possível chegar a essa conclusão, uma vez que o art. 30 afirma que a imunidade não se estende a entidade com personalidade jurídica própria constituída e mantida pela entidade. Logo, extrai-se que as filiais – unidades sem personalidade jurídica própria – são alcançadas pela imunidade da entidade que obteve o CEBAS.
Por sua vez, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil – RFB n.º 1071/2010, dispôs que o direito à isenção das contribuições sociais usufruída pela entidade é extensiva às suas dependências e estabelecimentos. Portanto, ainda que se desconhecesse a dinâmica matriz/filial, mantenedora/mantidas e normativas do CEBAS, não se pode furtar das regras sobre tributação previdenciária.
Cumpre lembrar que esse tema foi amplamente discutido pelo Grupo de Trabalho instaurado pela Advocacia Geral de União, instituída pela Portaria nº488/2011 onde RFB consignou que:
“(…) O CEBAS é um dos requisitos para a obtenção desta isenção e sempre foi conferido pela lei à Pessoa Jurídica como um todo, ou seja, não há isenção para apenas um dos estabelecimentos ou filial. Desta forma, do ponto de vista da isenção, que é a principal razão do pedido do CEBAS, não faz sentido sua concessão por estabelecimento ou filial, ou seja, o certificado deve ser emitido para a pessoa jurídica como um todo, incluindo seus estabelecimentos ou filiais, na forma do art. 1º e 3º da Lei nº 12.101, de 2009: (…).”
O que temos assistido é o esvaziamento do direito decorrente da obtenção do CEBAS, pois ainda que a entidade logre alcançar a tão sonhada certificação, o pleno gozo da condição de entidade beneficente de assistência social (filantrópica) encontra diversos óbices e restrições oriundos de equívocos, desconhecimento da dinâmica do CEBAS ou até de regras de direito civil e tributário.
Não há dúvida que atuação, tal como das Operadores de plano de saúde aqui apresentada, finda por sufocar o Terceiro Setor com uma burocracia desnecessária, mobilizando recursos humanos e tempo para levantar declarações para mera transcrição de textos legais, quando esses poderiam estar com a atenção mais focada para a atividade fim – prestação de serviço de relevante interesse social. Atuação nesse sentido também está na contramão da política de desburocratização, sendo necessário repensarmos o porquê da cultura da chancela do ente público para declarar o óbvio. Por outro lado, o poder público também precisa ter mais sensibilidade aos pleitos dos administrados, saindo de modelos para de fato atender as reais necessidades das organizações.