Criação da CBS tem inconstitucionalidades e pode não ser levada adiante
Dr. José Roberto Covac e Drª. Bianca Helena Monteiro, sócio e advogada associada da Covac Sociedade de Advigados
À primeira vista, o Projeto de Lei n.º 3.887/2020, elaborado pelo Ministro Paulo Guedes e apresentado pelo presidente da República ao Congresso Nacional no dia 21 de julho, objetivando instituir a contribuição social sobre as operações de bens e serviços no país, chamada também pela sigla CBS, consiste em uma proposta de reforma tributária em nível legal ordinário, na medida em que não propõe qualquer alteração em dispositivos constitucionais.
Causa estranheza, todavia, que o PL pretenda instituir tributo em total desconformidade material e formal ao regramento maior estabelecido em 1988, motivo pelo qual neste artigo concentramos mais a atenção nas inconstitucionalidades formais presentes na proposta, notadamente a impossibilidade de criação de outra fonte destinada à seguridade social por meio de lei ordinária, bem como o fato de a natureza jurídica da “contribuição” ora mencionada manter imensa similitude a impostos já existentes.
A fim de adentrar na questão da inconstitucionalidade formal existente no Projeto de Lei n.º 3.887/2020, destacamos que o artigo 195, §4º da Constituição Federal determina que “a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I” . Por sua vez, o art. 154, inciso I da CF/88 determina que a União poderá instituir impostos, desde que não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos já discriminados no texto constitucional, mediante lei complementar.
Pois bem, o Projeto de Lei ordinária, institui uma contribuição social que incide sobre operações com bens e serviços, de mercado interno e de importação, cuja hipótese de incidência é o auferimento da receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei n.º 1.598/1977, bem como as decorrentes de seus acréscimos à receita bruta, tais quais multas e encargos. Assim, institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), sendo portanto tributo que nasce de um fato qualquer (auferimento de receita bruta) não vinculado a uma atividade estatal específica.
A natureza jurídica específica do tributo é determinada pela hipótese de incidência da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la a sua denominação e demais características formais adotadas pela lei ou a destinação legal do produto da sua arrecadação, que podem ser basicamente de cinco tipos: impostos, taxas, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios e contribuição especial.
Dessa forma, entendemos que a CBS, apesar de ter sido apresentada como “contribuição”, ao examinarmos a sua norma jurídica, e considerando o fato de ser alheio à atividade estatal, bem como a circunstância de o fato tributado não estar previsto no art. 153 da CF/88, é na verdade um imposto, e sendo um imposto, este padece de vício formal que beira a inconstitucionalidade.
Na legislação tributária brasileira a contribuição especial é um tributo cujo resultado da arrecadação é destinado ao financiamento da seguridade social (assistência social, previdência social e saúde), de programas que impliquem intervenção no domínio econômico, ou ao atendimento de interesses de classes profissionais ou categorias de pessoas, servindo-os de benefícios econômicos ou assistenciais.
Nessa medida, em que pese o PL expressamente dispor sobre a instituição de uma contribuição, extinguindo PIS e COFINS, em verdade, por suas características rapidamente delineadas acima, trata-se de novo imposto, principalmente pelo fato de não destinar qualquer valor à seguridade social, não objetivar intervenção econômica e muito menos destinar sua arrecadação à categorias de classes.
Sendo assim, o vício formal mencionado acima consiste no fato de que a instituição de qualquer imposto, nos termos do art. 154, I, há de ser editado por meio de lei complementar, além de garantir outros princípios constitucionais como o da capacidade contributiva, o que não ocorre na medida que, excetuada algumas situações específicas, todas as atividades possuirão alíquotas em 12%.
De toda sorte, ainda que não se considere um imposto, em que pese o Supremo Tribunal Federal ter compreensão que inexiste reserva de lei complementar para instituir contribuição social (AI 312650 – AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa), sendo possível inclusive a instituição e majoração de tributos até por medida provisória, quando tratou especificamente de contribuições sociais, somente permitiu alterações por meio de lei ordinária em que a norma matriz estivesse prevista no texto constitucional. A COFINS busca fundamento de validade no inciso primeiro do artigo 195 da CF, enquanto o PIS no artigo 239. Já a CBS não possui qualquer baliza no Diploma Legal, concorrendo ainda com o mesmo critério material e quantitativo, especificamente a base de cálculo, dos impostos previstos nos artigos 153,154 e 155 da Constituição Federal, o que por si só impediria sua instituição por meio de lei ordinária. Não bastasse isso, o produto de arrecadação dessas contribuições tem destinação diversa, na medida que o PIS forma pecúlio do trabalhador e o COFINS destina financiar a seguridade social, situação essa não prevista na proposta do Governo.
Isso posto, o projeto de lei ordinária que objetiva instituir a contribuição social sobre as operações de bens e serviços no país (CBS) é natimorto e provavelmente todos esses aspectos deverão ser abordados na discussão no Congresso Nacional, fazendo com que a proposta, da forma em que foi enviada não seja levada adiante.