Adaptação à matriz curricular vigente no destrancamento do curso pelo aluno
Drª. Leticia Santana de Andrade Balestero Pranaitis e Drª. Andressa Reais (*)
Embora o ato de trancamento da matrícula nas instituições de ensino superior tenha regras claras, tanto nos contratos quanto nos regimentos internos das IES, os estudantes que acessam os cursos parecem ter uma ideia equivocada em relação ao tema, no sentido de que lhes seria garantido o status a quo ante da matriz curricular anterior ao trancamento caso entendam por retomar os estudos, como se o seu vínculo acadêmico sofresse espécie de congelamento e as atualizações pedagógicas necessárias ao desenvolvimento do ensino não lhes seriam impostas.
O que defendem os estudantes passa à margem do que conta a legislação, sendo importante esclarecer que não existe direito adquirido referente à matriz curricular e também não é obrigatório – nem razoável, diga-se – que a grade curricular inicialmente proposta se mantenha intocada ao longo do tempo, conforme orienta o Ministério da Educação, que de longa data já regulamentou o assunto, como exposto na Nota Técnica 793/2015 da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, que aponta para um dinamismo capaz de suprir as necessidades da ciência e fomentar o desenvolvimento nacional.
A definição dos componentes curriculares dos cursos, por sua vez, em privilégio à autonomia universitária prevista na Constituição Federal (artigo 207), é matéria afeta à organização didático-pedagógico da IES, tal como já disciplinado pelo Conselho Nacional de Educação, nos termos do Parecer CNE/CP Nº 02/2009.
E não são outros os fundamentos que têm se sedimentado nos precedentes oferecidos pelos mais diversos tribunais pátrios, pois a possibilidade de alteração da matriz curricular do curso, para além de se tratar de um critério pedagógico, é um direito constitucionalmente conferido às IES, para que possam cumprir com seu dever teleológico de fomentar a educação e, acima de tudo, o desenvolvimento científico nacional. Por isso se enquadra nessa garantia a liberdade para definir os seus currículos, elaborar os seus Projetos Pedagógicos e elaborar/alterar a grade curricular de seus cursos, pois do contrário não seria capaz de atender a sua própria finalidade.
Recentemente, em processo patrocinado pela Covac Sociedade de Advogados (Apelação Cível nº 0720447-32.2019.8.07.0001), o TJDFT negou provimento ao recurso de apelação interposto por um aluno que insistia em manter-se na matriz curricular desatualizada, sendo claro no julgamento da matéria ao reconhecer que a IES agiu “com base nas regras do contrato entabulado entre as partes não há o que se falar em abusividade”.
No caso, registre-se, o recurso de apelação foi interposto por aluno em face da sentença proferida pelo MM Juízo da 16ª Vara Cível de Brasília, que havia julgado os pedidos iniciais improcedentes. O estudante indicou que não seria razoável e proporcional cursar um semestre a mais do que o previsto para concluir o curso contratado, por ter sido reprovado em disciplina que não fazia parte da sua grade curricular original, que verificou ter sido incluída quando destrancado o curso em período posterior.
A peculiaridade do caso compartilhado está no fato de que o aluno aceitou a adaptação da matriz curricular do curso quando da reativação do seu vínculo acadêmico, ou seja, anuiu com a matriz curricular atualizada. Porém, quando reprovado em uma das disciplinas obrigatórias, insurgiu-se contra o novo modelo pedagógico com o qual havia concordado, sugerindo sua má-fé com a propositura da demanda.
A Turma Julgadora, que apreciou a matéria em sede de apelação, advertiu que “com a reprovação em matéria obrigatória da matriz curricular em que o autor foi realocado após o destrancamento da matrícula, agiu no exercício regular do direito a instituição de ensino superior ao impedir a sua participação na colação de grau”.
Desse breve relato fica a lição de que, além dos aspectos regulatórios, dos regimentos internos e das normas oferecidas pelo MEC, é mais do que elementar a necessidade de alterar os contratos de matricula, pois assim estará assegurada a validade da matriz curricular, independentemente de o aluno haver trancado a matricula sob a égide de outro modelo pedagógico. Em última análise, embora seja uma garantia constitucional das IES, para minimizar as dificuldades que se apresentam no âmbito judicial, é fundamental intensificar os procedimentos e diretrizes do Direito Civil, em especial as do Código de Defesa do Consumidor (artigos 6º e 30).
Por isso não basta que as IES se apoiem nas balizas constitucionais ou regulatórias, ou mencionem o tema apenas em seu Regimento Geral. É imperioso que conste no contrato de prestação de serviços educacionais – e até mesmo no formulário de trancamento – a necessidade de readaptação à matriz curricular do curso quando do retorno do aluno à vida acadêmica.
Os alunos devem ter em mente e assumir a responsabilidade sobre as consequências acadêmicas geradas a partir do trancamento da matrícula do curso, uma vez que inexiste direito adquirido à matriz curricular, podendo esta ser alterada, para que se proteja a autonomia didático-pedagógica das instituições de ensino (Artigo 207 da Constituição Federal e o Artigo 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
(*) Advogadas associadas da Covac Sociedade de Advogados