Por Janaina Rodrigues Pereira, José Roberto Covac e Kildare Araújo Meira, sócios da Covac Sociedade de Advogados
A adesão ao Prouni (celebrada por termo de adesão vigente por período de 10 anos), é realizada perante o Ministério da Educação (MEC), que também administra a cada semestre os chamados termos aditivos (celebrados pelas instituições de ensino superior aderentes ao Programa), onde se calcula conforme as Leis vigentes a quantidade de bolsas do Prouni que cada entidade deverá conceder no semestre seguinte, sendo operacionalizada por um sistema mantido pelo MEC, denominado SISPROUNI.
Saliente-se que o Prouni envolve tanto instituições com fins lucrativos e entidades sem fins não beneficentes; como entidades sem fins lucrativos que são beneficentes de assistência social, que para os dois primeiros tipos de entidades essas regras funcionam para gozo de uma isenção (art. 8º da Lei 11.096/05) e para segundas para gozo da imunidade tributária do artigo 195, §º7 da Constituição, na forma artigo 21 da LCP nº 187/21.
O MEC, na organização dos termos aditivos para o semestre 2022.2, realizada pelos editais MEC/SESU nº 65, de 15 de junho de 2022, retificado pelo edital nº 75, de 6 de julho de 2022, novamente retificado pelo edital nº 77, de 12 de julho de 2022 e ainda retificado pelo edital nº 78, de 14 de julho de 2022 (publicado no DOU apenas em 15/7/2022) para corrigir a fórmula de cálculo de algo que seria aplicado pelo sistema (SISPROUNI) até às 19hs e 59 minutos da segunda feira 18/07/2022.
Uma simples mirada na quantidade de retificações desse edital do Prouni já revela a tremenda insegurança jurídica do MEC na manipulação das regras, algo que fica absolutamente descortinado quando se vai para operacionalização dessas regras no SISPROUNI, a falta de coerência do sistema com as normas é ainda mais assustadora.
De fato, o SISPROUNI está efetuando cálculos errados, exigindo um número maior de bolsas do que o exigido na LCP 187 e na própria Lei do Prouni que se deve ao fato do sistema, em suma, desprezar as Bolsas parciais do Prouni no próprio curso, Bolsas integrais do ProUni em outro curso; Bolsas integrais próprias; Bolsas adicionais, concedidas em outros processos seletivos, que formavam o “estoque” para eventuais não preenchimentos em processos seletivos futuros; e Outras ações de assistência social no limite de até 25% das bolsas de estudo.
Ao arrepio da legislação complementar, o sistema calcula a variável C1 em cima das bolsas integrais e não do número de pagantes. Portanto, o SISPROUNI está induzindo as entidades a preencherem com erro (número sugerido).
Corrobora, no sentido do aqui relatado o Edital elaborado pelo MEC e publicado em 15/07/2022 corrigindo a fórmula, mas que, até o momento não houve alteração no sistema.
A alteração do cálculo e ausência de implementação no SISPROUNI são situações que deveriam ter ensejado a prorrogação do prazo de ofício pelo MEC, oportunizando às entidades a alteração das informações no SISPROUNI.
O Direito não pode fugir do razoável, tem-se hoje dificuldades de operacionalizar o SISPROUNI e, pior, como se a Lei nº 14.350, de 25 de maio de 2022, que alterou a Lei nº 11.095/05, tivesse criado programa e, por isso, se exige das entidades praticamente o efetivo total de bolsas em uma só termo aditivo, desconsiderando de forma ilegal o estoque de bolsas já concedidos.
Em linguagem ainda fática poderia se resumir o principal cerne dos erros do SISPROUNI na seguinte síntese: As instituições de ensino superior beneficentes ofereciam as bolsas Prouni, por curso, na proporção mínima de um aluno bolsista para cada nove alunos pagantes (na forma do art. 13-A, §3º da Lei nº 12.101/09, vigente até dezembro do ano passado, e depois do dispositivo de redação similar do art. 21, §3º da LCP 187/21). Para atingirem a relação de 1 aluno bolsista integral para cada 5 alunos pagantes, exigência para o CEBAS, as instituições complementavam com determinadas opções, na forma da legislação vigente [1].
Ao longo dos anos, as IES beneficentes desenvolveram as suas ofertas no Prouni nessa lógica. Não houve questionamento jurídico, o sistema de oferta sempre permitiu e a legislação não vedava, tanto que as instituições não sofreram qualquer processo de supervisão, pois sempre houve reconhecimento do procedimento adotado pelas IES beneficentes na oferta do Prouni.
O MEC, no processo seletivo de 2022.2, alegando aplicação do §8º, art. 5º da Lei nº 11.096/05, com a redação dada pela Lei n° 14.350, de 2022, passou a excluir do sistema as outras formas complementares que as instituições ofereciam para atingir a relação um bolsista para cinco alunos pagantes, conforme descritas acima, em clara afronta ao artigo 21 da LCP 187/21.
Assim, à revelia do art. 21 da LCP 187, o novo sistema de oferta do Prouni só aceita as bolsas parciais no mesmo curso como forma complementar para atingimento da relação um bolsista para cada cinco pagantes. Para agravar, o sistema retroage essa invenção interpretativa ilegal a mesma lógica para os períodos anteriores, quando sempre se admitiu a complementação por outras formas, dando a sensação de que o SISPROUNI 2022.2 criou um novo programa e que nada do que foi será.
Ao não reconhecer as outras formas de complementação das bolsas nos anos anteriores, o sistema gera um passivo de bolsas para serem ofertadas a partir do novo processo seletivo do 2° semestre de 2022 nada razoável e impossível de ser cumprido.
Ademais, o erro no SISPROUNI se estende na “composição de bolsas obrigatórias integrais e parciais regra 1:9. Tais sucessões de erros fez o MEC vir corrigindo os normativos, havendo inclusive na sexta feira 15/07/2022 corrigido pelo EDITAL nº78/22, com a própria fórmula de aplicação da regra do 1/9.
Importa ainda dizer que esse caminho de concessão de bolsas para entidades beneficentes educacionais aderentes ao Prouni já vem sendo praticado desde 2005, com pleno sucesso. E não é verdade que da transição da Lei ordinária, Lei nº 12.101/09 (que regulava as contrapartidas antes da LCP 187/21) houve alterações substanciais no texto.
E por qual razão o MEC modificou tanto o SISPROUNI que nada do que foi tem sido para a celebração de termo aditivo para 2022.2, causando uma tremenda confusão no segmento educacional beneficente usuário do Prouni?
Além da nítida dificuldade operacional do MEC em traduzir a Lei aplicável nos editais e no sistema, fato que fica notório pelas sucessivas retificações dos editais e prorrogações dos prazos, há uma errônea e ilegal tentativa do MEC de aplicar o disposto no §8º, do artigo 5º da Lei 11096/09, com a redação dada pela Lei nº 14.350/2022.
Escorado nesse dispositivo, o MEC tem justificado em seguidas reuniões a não consideração de todas as bolsas concedidas anteriormente a Lei nº 14.350, de 2022 e exigido no Prouni de cara o um para cinco, desconsiderando inteiramente a Lei Complementar 187/21.
Ora, os dispositivos do art. 20 e 21 da LCP 187/21, são Lei Complementar que regulamenta a contrapartida que as entidades devem ofertar para obter o CEBAS, em respeito a visão do STF expressa na ADI 4480 [2], e devem prevalecer sobre qualquer comando constante em Lei ordinária, inclusive esta orientação está expressa na razão legal da própria LCP 187/21, expressa nos seus artigos 1º e 2º.
É mister resgatar que nos julgamentos do STF, RE nº 566.622/S, ADI nº 2028 (originadores do tema nº 32) e ADI 4480/DF, motores da iniciativa legislativa que resultou na LCP nº 187/21, o que emergiu dos citados julgados foi a necessidade de Lei Complementar para regular as contrapartidas exigidas pela Lei para concessão do CEBAS e esse foi o comando que esteve na cabeça dos congressistas, como resta claro no trecho da justificação do PL nº 134/19 do Deputado Bibo Nunes (PSL/SP), que resultou na LCP nº 187/21:
Sob essa perspectiva, a regras contidas na Lei 11.096/05 (Prouni) que são trazidas ao contexto pelo próprio artigo 21 da LCP nº 187/21, ao mencionar a adesão das instituições beneficentes ao Prouni na forma do artigo 11-A da Lei nº 11.096/21, não podem criar exigência que não seja compatível com o disposto nos artigos 21 e 20 da LCP nº 187/21.
Assim, sob a ótica limitadora do princípio de validade constitucional da Lei Complementar e da Lei Ordinária, deve se fazer a leitura dos ditames atinentes a certificação de entidades beneficentes de educação aplicáveis na Lei do Prouni, na forma do artigo 11-A, mencionado expressamente no art. 21 da LCP 187/21.
E, sob essa perspectiva de validade constitucional da Lei Complementar, não se pode dar aplicação ao §8º do artigo 5º da atual Lei do Prouni que negue vigência aos artigos 20 e 21 da LCP nº 187/21 como vem fazendo a ré na celebração dos termos aditivos para o semestre 2022.2, sendo imperioso que se impeça tal ilegalidade.
Por isso, imperioso que sejam suspensos os editais e o processo até que o MEC adeque aos artigos 20 e 21 da LCP nº 187/21, sob pena de que as ilegalidades serão cristalizadas e as instituições coagidas pelo prazo, celebrando termos aditivos absolutamente ilegais e inexequíveis, pois comprometem sua capacidade de autofinaciamento e de sustentabilidade financeira, previstas no inciso II do art. 7º da LDB e inciso X do art. 3º da Lei nº 10.841, de 2005, pondo em risco o recredenciamento das Instituições de Ensino até no limite dos seus fechamento, na medida que estão a exigir um quantitativo de bolsas bem superior ao que já foi ofertado historicamente de acordo com a legislação vigente.
[1] 1-Bolsas parciais do ProUni no próprio curso, respeitando a relação de 2 bolsas parciais para cada 1 bolsa integral.
2-Bolsas integrais do ProUni em outro curso;
3-Bolsas integrais próprias;
4-Bolsas adicionais, concedidas em outros processos seletivos, que formavam o “estoque” para eventuais não preenchimentos em processos seletivos futuros;
Outras ações de assistência social no limite de até 25% das bolsas de estudo.
[2] Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Direito Tributário. 3. Artigos 1º; 13, parágrafos e incisos; 14, §§ 1º e 2º; 18, §§ 1º, 2º e 3º; 29 e seus incisos; 30; 31 e 32, § 1º, da Lei 12.101/2009, com a nova redação dada pela Lei 12.868/2013, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social e regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social. 4. Revogação do § 2º do art. 13 por legislação superveniente. Perda de objeto. 5. Regulamentação do § 7º do artigo 195 da Constituição Federal. 6. Entidades beneficentes de assistência social. Modo de atuação. Necessidade de lei complementar. Aspectos meramente procedimentais. Regramento por lei ordinária. 7. Precedentes. ADIs 2.028, 2.036, 2.621 e 2.228, bem como o RE-RG 566.622 (tema 32 da repercussão geral). 8. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, nessa parte, julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 13, III, § 1º, I e II, § 3º, § 4º, I e II, e §§ 5º, 6º e 7º; art. 14, §§ 1º e 2º; art. 18, caput; art. 31; e art. 32, § 1º, da Lei 12.101/2009, com a nova redação dada pela Lei 12.868/2013.
(ADI 4480, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 14-04-2020 PUBLIC 15-04-2020)