Regulamentação do voto de qualidade no CARF
Kildare Meira e Augusto Paludo (*)
O Ministério da Economia publicou no último dia 3 de julho a Portaria 260/2020 disciplinando a proclamação de resultado de julgamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) nas hipóteses de empate na votação. A medida se dá dois meses após alteração legislativa da sistemática então vigente.
A nova dinâmica, trazida no artigo 28 da Lei 13.988/2020, que inseriu o artigo 19-E na Lei 10.522/2002, prevê que, “em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade” – que consistia em voto em dobro pelo Presidente da Turma, necessariamente representante da Fazenda Nacional –, “resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”. Desse modo, se ocorrer empate no julgamento, a questão deverá ser resolvida de forma favorável ao contribuinte.
Em regra, toda norma regulamentadora é salutar, pois no limite de sua competência tende a aclarar e disciplinar questões não contempladas no texto da Lei. Contudo, salvo melhor juízo, não é o que se percebe da Portaria em comento, pois, a pretexto de regulamentar, verdadeiramente inova – senão, restringe – indevidamente o campo de aplicação da nova Lei, atribuição que não lhe é legítima.
Merece destaque especial a alínea “a”, do inciso I, do art. 3º, que estabelece que a proclamação de resultado do julgamento favorável ao contribuinte aplicar-se-á exclusivamente aos julgamentos ocorridos nas sessões realizadas a partir de 14 de abril de 2020, “considerando tratar-se de norma processual”.
Para além das relevantes discussões acerca da aplicabilidade ou não dos artigos 112 e 106, do Código Tributário Nacional, tal aspecto ganha especial relevância sob a constatação de que, invariavelmente, o CARF examina aplicação de sanções – de natureza tributária ou não – acompanhadas ou não da determinação de exigência de tributos.
Embora seja possível defender, até com bons argumentos, a natureza processual da nova Lei, é inegável que, tratando-se de normas processuais que tratem de pretensão punitiva, estas apresentam típico caráter de regra de direito material, portanto, também sujeitas às normas desta natureza, permitindo-se aplicação retroativa nas hipóteses favoráveis ao acusado.
Nestas circunstâncias, é a decisão final do CARF que define a condição necessária para punibilidade dos agentes autuados. O Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula Vinculante 24, reconheceu que a decisão administrativa definitiva é condição objetiva da punibilidade do agente. Entende-se que, nestas hipóteses, absolutamente necessário o efeito retroativo da nova Lei.
Desse modo, não parece correto o dispositivo em questão, seja por suplantar o aspecto sancionatório da decisão administrativa e seus efeitos, seja pela indevida invasão sobre o campo da Lei, ao passo que, claramente, pretende regulamentar um assunto que a Lei não sugeriu qualquer regulamentação.
(*) Sócios da Covac Sociedade de Advogados